Regras da Casa – Trilha de Ação

O combate é, em muitos RPGs, a parte mais importante ou empolgante da sessão. Muitos RPGs tradicionais reservam um capítulo inteiro para as regras da troca de sopapos, com ataques de oportunidade, meia cobertura ou completa, defesa total, etc.

Mas apesar de toda a atenção no manual, preparo do mestre e expectativa dos jogadores, muitas vezes o combate se resume a meia hora (muitas vezes mais) de pessoas falando "eu ataco com a espada", "eu esquivo", "eu uso bola de fogo", seguido de uma rolagem de dados e uma careta do mestre pra fazer suspense se acertou e quanto dano o personagem causou (ou levou).

Isso é um pouco frustrante, e para evitar o combate ficar na mesmice de sempre, falamos recentemente em como fazer testes alternativos para não limitar a criatividade dos jogadores nesse momento.

Mas talvez os seus jogadores não estejam com muitas ideias, ou o combate pode continuar difícil e longo mesmo depois daquele plano, que apesar do sucesso, não causou dano suficiente. Trazemos então hoje uma nova regra, com sugestão mecânica para 3D&T Alpha e Tormenta20 (os sistemas que eu sou responsável aqui no blog), mas que o mestre pode facilmente adaptar para seu sistema favorito.

De quem é a vez?

Uma das regras que a maioria dos sistemas têm e que ajuda a tornar os combates repetitivos é a previsibilidade dos eventos. E o problema começa na rolagem da Iniciativa, que muitos sistemas sugerem que seja feita apenas uma vez e a ordem seja mantida até o final do combate.

Isso é feito logicamente para reduzir as rolagens de dados e deixar o combate mais rápido, porque na hora que o mestre fala "rolem a iniciativa" você já sabe virão muitos outros testes pela frente e uma fila de espera pela sua vez.

A proposta aqui começa com testes de Iniciativa repetidos a cada rodada. Sim, parece ruim adicionar toda uma nova rodada de rolagens no início de cada turno, mas e se esse d20 adicional puder trazer mais dinâmica e imprevisibilidade para o combate?

A Trilha de Ação

A nova mecânica consiste em algo que chamei Trilha de Ação. Os jogadores acumulam Pontos de Ação (PAs) a cada rodada, baseados em seu teste de Iniciativa, e a ordem no turno é definida por quem tem mais pontos. Abaixo a sugestão de pontos ganhos de acordo com o resultado do teste.

Teste de Iniciativa (T20)Teste de Iniciativa (3D&T)Pontos de Ação
5 ou menos1 a 3Não acumula novos pontos
6 a 104 ou 5+1 PA
11 a 156 ou 7+2 PAs
16 a 208 ou 9+3 PAs
21 ou mais10 ou mais+4 PAs

A forma de controlar esses pontos fica a critério do grupo. Originalmente a minha ideia era ter uma trilha (daí o nome da regra), semelhante às trilhas de pontos de boardgames. Uma sequencia de círculos ou quadrados desenhados em uma folha de papel, numerada, e cada jogador coloca um marcador para representar seu personagem na respectiva pontuação acumulada.

Outras sugestões são usar moedas, contadores de dano, dados, feijões... O que for mais prático para o grupo.

Com as pontuações atualizadas, os jogadores fazem seus movimentos e ações normalmente, seguindo a ordem de quem tem mais pontos para quem tem menos pontos.

Até aqui tudo ainda parece apenas mais uma rolagem e mais um número para se controlar, só deixando o combate muito mais lento. Nada atrativo, eu sei. O pulo do gato, entretanto, é que os pontos servem pra algo mais além de definir a ordem.

Usando os Pontos de Ação

Eis algumas formas de usar os Pontos de Ação para deixar o combate mais dinâmico e imprevisível. O mestre é livre para adicionar outros efeitos à lista.

  • 1 ponto: uma Esquiva adicional (em 3D&T Alpha) ou um teste de Reflexos (Tormenta20). Em caso de sucesso, o dano do ataque é completamente evitado.
  • 1 ponto: gaste antes de rolar um ataque e receba FA +2 (3D&T) ou Luta/Pontaria +2 (T20).
  • 1 ponto: gaste antes de rolar um ataque. Em caso de sucesso, além de sofrer dano, o alvo solta um item que esteja segurando.
  • 1 ponto: gaste antes de rolar um ataque. Em caso de sucesso, além de sofrer dano, o alvo cai no chão.
  • 1 ponto: FD +2 (3D&T) ou Defesa +2 (T20) até o seu próximo turno.
  • 2 pontos: uma ação ou movimento adicional, sem penalidades.
  • 2 pontos: gaste antes de rolar um ataque. Em caso de sucesso, dobre o dano.

Dessa forma, os jogadores (e o mestre, é claro) podem ter um maior controle do combate, reduzindo sua dependência da sorte, salvando seu personagem do que poderia ser um dano fatal e gerando cenas com mais ação, que podem tornar o combate mais curto (compensando as rolagens de Iniciativa a cada rodada).

O grupo de jogadores também pode forçar um inimigo mais forte a se defender dos seus vários ataques, gastando Pontos de Ação, deixando ele mais para o final da Trilha e talvez até minando os pontos dele antes que possa usá-los.

Por fim, um personagem que não tenha Pontos de Ação só pode realizar movimentos no seu turno, seja porque está sendo pressionado pelos vários ataques de seus oponentes (gastou seus pontos se esquivando), seja porque ficou sem reação em meio ao combate (um resultado ruim no teste de Iniciativa).

Regras opcionais à regra da casa

A regra da Trilha de Pontos me ocorreu um dia enquanto eu tomava banho e pensava nos combates repetitivos na mesa de RPG. É, foi num momento assim que pensei nessa solução.

Imediatamente chamei a minha esposa para explicar a ideia e comecei a rabiscar a mesa de jantar com um pincel de giz líquido (procurem, isso é ótimo pra fazer rabiscos na mesa no meio de uma partida e depois sai com um pano seco).

A primeira oportunidade de testar a mecânica acabou ocorrendo na mesa de Harry Potter que ela mestrou a alguns dias para os seguidores da Cabana do Elfo. A sessão toda foi um playtest não apenas dessa regra da casa, como também do sistema próprio que ela está desenvolvendo para o cenário.

O retorno foi positivo, com uma mecânica diferente da habitual para determinar a ordem dos jogadores no combate e ainda permitir a eles fazerem ações mais heroicas para resolver mais rapidamente o combate.

Mas houve também um feedback sobre os pontos acumulados. Alguém pode acabar guardando seus pontos por várias rodadas para então gastar uma grande quantidade de uma vez, com múltiplos e poderosos ataques. Visualmente (na imaginação, é claro) pode ser uma cena impressionante, mas que dentro do mundo de jogo pode ficar estranho. De onde o personagem tirou energia para uma explosão de movimentos rápidos e devastadores?

Assim, existem as sugestões de como limitar e controlar para que a mecânica não fique exagerada demais.

  • Cada personagem pode acumular uma quantidade máxima de Pontos de Ação igual ao triplo da sua Habilidade (3D&T) ou do seu modificador de Destreza (T20). No caso de personagens com Destreza 11 ou menos, considere que eles podem acumular até 2 PAs. Opcionalmente, o inimigo principal da aventura pode ignorar esse limite, para manter o desafio que ele deve representar ao grupo.
  • Sempre que um personagem sofrer dano, ele perde 1 PA. Opcionalmente, ele pode perder outro ponto para cada 10 pontos de dano adicionais.
  • Para cada ação, só é possível gastar 2 PAs. Com isso, você pode fazer um ataque adicional, mas ele não pode receber outros efeitos (bônus no teste, dano adicional, desarmar ou derrubar o oponente). Ou é possível fazer um ataque mais preciso (com bônus no teste) que desequilibre o alvo (derrubando ou desarmando), mas sem poder dobrar o dano.

Conclusão

Essa foi outra ideia pra deixar os combates mais interessantes e menos previsíveis. Como gosto de fazer contas, quando estou em um combate eu perco algum tempo entre um turno e outro tentando calcular quantas rodadas o meu personagem ainda aguenta, para decidir se já é hora de curar ou se ainda dá pra fazer mais um ataque.

Com os Pontos de Ação, qualquer previsão desse tipo vai por água abaixo, pois você nunca sabe como os outros jogadores ou o mestre irão gastar seus pontos ou até quando vão guardá-los.

A ideia também do grupo poder usar os pontos para ter mais controle da situação (com os bônus ou efeitos adicionais) força o mestre a defender seu NPC, que pode ficar acuado a ponto de zerar seus pontos e não ter opção senão se afastar dos personagens para reorganizar sua estratégia.

Como dito no artigo anterior, é preciso lembrar que os personagens dos jogadores são os protagonistas da sessão. Não deixe que o destino deles seja definido por simples rolagens de dados.

E você? Achou a regra interessante para testar na sua mesa? Se sim, conte aí como foi a experiência e se foi preciso fazer mais algum ajuste. Se não, o que você acha que poderia ser alterado?

1 comentário.

  1. Com um grupo engajado em abraçar a proposta essas regras funcionariam bem! Eu teria receio de adicionar mecânicas extras correndo o risco dos jogadores se acomodarem e deixarem a carga mecânica nas costas do mestre. Ok, confesso que isso é um trauma pessoal, mas é o meu trauma. Hehehe! XD

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