Cartas na mesa – RPG Solo

No final de 2020, quando eu achava que nada mais seria lançado naquele ano desastroso (aliás, Feliz Ano Novo!), fui surpreendido pela RetroPunk com o anúncio de um novo RPG, Four Against Darkness (ou apenas 4AD). Minha primeira surpresa foi ver sendo lançado direto como pré-venda e não por financiamento coletivo. Minha segunda surpresa foi descobrir que se comercializava RPG Solo.

Não, o fato de existir gente que joga RPG sozinho não foi surpresa pra mim. Eu descobri que não estava só nessa modalidade lá por 2017 ou 2018, nos meus últimos meses no Facebook (desisti da rede depois daquelas eleições), quando encontrei a comunidade Solo RPG.

Necessidades

Depois de me mudar pra Belém para estudar em 2005, acabei perdendo meu grupo original de RPG, e apesar de conhecer muitos RPGistas na capital do estado, não consegui jogar muito nos anos que se seguiram. Mas mesmo sem um grupo, nunca deixei de consumir material.

Foi assim que, nesse meio tempo (de quase uma década), resolvi não depender dos outros pra jogar e bolei formas de praticar o RPG sozinho, gerando masmorras, plots de aventuras, backgrounds de personagens... Juntei a minha paixão pelo Excel com a paixão pelo RPG pra deixar as coisas mais automatizadas (o que me ajudaria futuramente a trabalhar com programação em VBA e banco de dados) e até criei alguns jogos.

Quando fui falar do lançamento da RetroPunk pros meus amigos, recebi as já esperadas respostas tortas pela minha empolgação. Infelizmente, o RPG Solo sofre de um preconceito entre os jogadores tradicionais.

Preconceito

A primeira, trava com relação ao RPG Solo é o puro e simples pré-conceito. Aqueles que jogam, geralmente falam sobre como achavam a ideia estranha até experimentar. Aqueles que criticam (pelo menos pra mim) nunca tentaram jogar. Jogar sozinho pode parecer estranho para um hobby em que estamos acostumados a sentar com os amigos em volta da mesa, e não tem nada de errado em achar estranho mesmo.

Um erro comum entre aqueles que nunca jogaram é a ideia de falta de surpresa. Se você é o mestre e também o jogador, qual o mistério a ser desvendado em uma investigação? Como poderia inserir plot twists na trama? Como não se aproveitar do conhecimento sobre as fichas dos vilões para montar um grupo de personagens eficiente?

A questão é que aqui o jogador sabe tanto quanto os personagens. Não existe uma aventura pronta que você pega e vai tomando as decisões enquanto lê. Isso seriam os livros-jogos que a Jambô publica, por exemplo. Os sistemas existentes (e são muitos) buscam apresentar tabelas que definem os eventos conforme os personagens avançam na missão.

Você só vai saber que o líder dos bandidos é um feiticeiro se essa informação for rolada com alguma sorte enquanto conversa com o lorde que está contratando o grupo. Do contrário, a revelação dos poderes do vilão só vai acontecer na hora que abrir a última porta do esconderijo.

É sobre contar histórias

Para muitos jogadores, o RPG Solo é quase como escrever um livro onde você não tem controle sobre o destino do seu personagem. Você precisa contar com as suas habilidades para sobreviver e resolver os problemas. Mais ou menos como num RPG tradicional, no final das contas.

Mas quantas vezes você, jogando com os amigos, não se viu como voto vencido em uma discussão sobre qual caminho tomar no labirinto, ou quanto cobrar para resolver um problema? Quantas vezes cada personagem tinha seus próprios interesses, baseados nos interesses de seus respectivos jogadores?

Pode parecer estranho no começo, jogar rolando dados em sequencias de tabelas, mas no final você tem uma série de eventos, passou por perrengues no meio (ou não, vai que, né?) e vai ter um esboço de um roteiro. Daí que os mais entusiastas criam o hábito de pegar a sua sessão e detalhar ela em diálogos, capítulos narrativos e desenhos. Com isso exercitam a criatividade e, apesar da aleatoriedade nas tabelas, conseguem criar histórias coesas no final.

Recomendações

É claro que depois de ficar falando bem aqui do RPG Solo, é preciso indicar algo pra você experimentar por si só.

A primeira dica é o grupo Solo RPG no Facebook, onde existem vários PDFs, com sistemas de diferentes níveis de detalhamento e gêneros (medieval, adaptação de games, apocalipse zumbi, esportes...).

Clique aqui para entrar no grupo Solo RPG

Para indicações mais diretas de sistemas, temos o Four Against Darkness. Por experiência própria, opte pela versão impressa, pois é muito trabalhoso ir e voltar nas tabelas em um arquivo digital. Esse jogo é totalmente focado na exploração de masmorra, não tendo material para definir os detalhes do motivo pro grupo estar lá.

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Se você curte a temática de samurais, o nacional Ronin consegue te levar para um Japão Feudal, e ao contrário da indicação anterior, é focado nas viagens e nos contatos que o personagem faz até encontrar o vilão final. Ele inclui mecânicas para aliados que você faz ao longo da sua jornada, tabelas para plot twists e cenas marcantes, formando uma mini campanha com início, meio e fim.

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Por fim, se você, como eu, não gosta de abrir mão do seu sistema preferido só porque está jogando sozinho, o Oráculo 3 (O3) pode ser uma boa escolha. Ele não é um sistema em si, mas sim um "simulador de mestre". Suas tabelas incluem detalhes físicos e mentais para NPCs, plots de aventuras, cidades, ganchos para a próxima aventura, e muitos outros detalhes, além de não se restringir apenas ao clássico medieval.

Clique aqui para baixar o pdf de Oráculo 3

Conclusão

No final, o RPG Solo tem mais a acrescentar ao jogador de RPG do que prejudicar.

Pra turma que durante a pandemia não se adaptou aos Roll20 da vida (eu particularmente não aguento mais), essa é uma opção para não parar enquanto não dá pra juntar a turma.

Além disso, o jogador tradicional, com seu grupo de amigos que jogam regularmente, às vezes esquece como é difícil montar um grupo. Em nossos eventos e one shots online, tivemos contato com muita gente que conhecia o RPG mas nunca encontrou pessoas com quem jogar. Ter a opção de aproveitar o hobby mesmo sozinho é um bom estímulo pra manter o interesse desse jogador até ele encontrar um grupo e já ter alguma experiência quando finalmente for rolar os dados com outras pessoas.

Às vezes também você pode ter gostos não alinhados com seu grupo. Sabe aquele anime ou game que você queria poder jogar com fichas e dados, mas seus amigos não curtem? Porque não usar o RPG Solo pra matar essa vontade? Eu particularmente estou querendo montar um sistema solo pra jogar Pokémon. Quem sabe postar aqui?

E por fim, o mestre pode tirar grande proveito dos materiais solo, para ajudar a criar suas aventuras, montando um grupo fictício (ou usando os PJs mesmo), rolando nas tabelas e então aparando as pontas pra ter uma sessão ou até mesmo uma campanha.

Enfim, se você nunca jogou, não deixe de dar uma chance. A proposta desse modelo não é você deixar de jogar com os amigos, mas sim poder continuar ativo no hobby naqueles dias ou períodos em que os outros estão todos ocupados. E se você já joga, quais suas recomendações?

As artes à caneta que ilustram esse artigo são de autoria do nosso seguidor Mike Wevanne, que tem escrito e ilustrado suas aventuras no mundo do RPG Solo.

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