MAS PERAÍ… O QUE É MÖRK BORG?

Não sei vocês, mas eu sou o tipo de pessoa que muitas vezes expressa fisicamente o que gosta de ouvir. No meu caso é o Metal Pesado, em praticamente todos os gêneros. Eu gosto ainda mais quando ele se entende a outras mídias, nem que seja pela mínima inferência ao nome de algum artista ou mesmo ao nome de alguma música. Por isso que gosto dos jogos da franquia Guilty Gear e DooM, dos animes de Jojo Bizarre Adventure e de filmes como Mandy e DeathGasm.

E o RPG?

Bom, no RPG não é muito incomum eu basear certos elementos do Metal nas minhas mesas, mas muitas vezes deixo discreto em alguma referência obscura que eu me satisfaço quando é aplicada de forma bem sucedida. Shadow of the Demon Lord é um exemplo, o prefácio não mente, mas ainda assim é um RPG que é possível jogar sem entender os elementos do Metal contidos no cenário, por outro lado, em MÖRK BORG você PRECISA saber de Metal para entender este RPG.

Não se enganem com este encarte enorme de CD de Doom Metal de fundo de quintal, MÖRK BORG realmente é um RPG! Um RPG OSR, gênero que abordei em um artigo anterior. O livro grita uma estética caótica e desorganizada, mas um caos bonito, diga-se de passagem. Há cores, destoantes e brilhosas, entre amarelo, preto, rosa e branco, se mistura com gravuras que vão do extremo do amadorismo do Jardim de Infância ao realismo de várias obras artísticas, uma metalinguagem vinda direto do movimento Art Punk.

A diagramação é um exercício de como não editar um livro, mas isso não é uma ofensa! Johan Nohr genuinamente sabe o que está fazendo e sabe o que não deveria fazer. É como se ele fosse um doutor em biologia que propositalmente escrevesse os textos mais equivocados possíveis e, apesar de tudo, qualquer pessoa não letrada na área identificaria os erros.

Já folheei livros mal feitos e mal diagramados por puro amadorismo, mas aqui temos um livro profissionalmente desorganizado que casa perfeitamente com a proposta que ele quer apresentar. Engana-se quem ache que isso tudo é só uma desculpa pra o livro ter sido feito de qualquer jeito, apesar da surpresa inicial da leitura, não demora muito para o leitor entender o conteúdo, até por que, o texto em si é bem pouco.

Um mundo em decadência

Como toda boa fantasia sombria, o mundo de MÖRK BORG está em seus últimos tempos. Os jogadores são indivíduos decadentes de Tveland, um mundo sombrio nos seus últimos dias, como falam as profecias dos dois basiliscos deuses de duas cabeças. Esse mundo realmente está com seus dias contados. Nas regras, Nechrubel está contando esse tempo, podendo o mundo acabar em 1 ano, mês, semestre, ou até mesmo nesse instante.

Enquanto isso, os jogadores encarnam todo tipo de sobrevivente nesse mundo, desde um desertor de aparência monstruosa a um nobre decadente, todo eles gastando seus últimos momentos na violência, luxúria e/ou redenção. Não existem mais motivos para se manter as aparências num mundo que cada noite pode ser a última.

Leve nas regras, pesado em todo o resto

Este é um dos lemas do livro, que faz muito sentido com sua proposta. Apesar da extrema simplicidade, o jogo não deixa de todo o mestre a mercê da abstração de um OSR. O livro é cheio de tabelas, regras opcionais de união de grupo, desenvolvimento de personagem e de tesouros, tudo bastante perturbador e de humor duvidoso. Algo extremamente bem vindo, afinal a história do cenário é contada em menos de 10 páginas, deixando as tabelas, regras e monstros contarem o resto da história de Tveland. Tudo com um gosto do oculto e do sombrio beirando a quase caricatura do Doom Metal.

O jogo se baseia nas regras do D20 ao usar modificadores no desenvolvimento da ficha. No qual você rola o d20 e soma o modificador do atributo em questão a fim de alcançar o resultado. As dificuldades são fixas, indo de 6 para algo Incrivelmente Simples até 18, para algo que Beira o Impossível. lutar com um inimigo, por exemplo, tem dificuldade base 12.

Os atributos são um pouco diferentes: Agilidade, Presença, Força e Resistência. Todos têm suas funções e utilidades específicas dentro do cenário.

No combate, os inimigos não rolam para acertar, na verdade os PJs rolam para se defender, usando a Agilidade, no caso. Existem Acertos críticos e Falhas críticas no combate também, mas elas têm resultados específicos. Acerto Crítico num ataque pode dobrar o dano ou enfraquecer a armadura do alvo, se ele tiver, já uma falha crítica pode fazer com que a arma quebre ou seja perdida. Defender-se do ataque do inimigo passa pelo mesmo princípio: Um acerto crítico dá um ataque livre ao PJ, enquanto que uma falha crítica faz com que o PJ sofra o dobro do dano ou enfraqueça a armadura, caso tenha uma.

O sistema de magia é baseado em pergaminhos e usos diários, e também tem a dificuldade base 12, que pode ser aumentado em +2 pelo uso de armaduras. Uma falha faz com que o personagem perca d2 de PVs, fique atordoado e não possa lançar tal magia por um tempo. Falhas e acertos críticos são uma regra opcional aqui, mas normalmente é catastrófico.

A lista de monstros é bem pequena, mas todos tem arte própria e até mesmo recompensas se estiver vivo ou morto. Aqui a simplicidade reina, e o que é oferecido é suficiente para proposta. Apesar de simplificados, são bem letais. Rezem por bons resultados nos dados.

Lembre-se: Sempre que você tirar um 20 natural, comece a banguear violentamente!

Uma escória unida

Talvez o maior mérito de MÖRK BORG é o fato dele ser completo em todos os sentidos, tanto dentro quanto fora destas páginas malditas. Pouco depois do lançamento do livro, já tinham sido criados geradores de personagens, masmorras e  monstros, tudo oficial. Além disso, graças a sua simplicidade e a proximidade do autor para com a comunidade, não demorou muito para serem lançados vários materiais não oficiais com mais regras opcionais, mais tabelas geradas, monstros e classes.

Tamanha é a facilidade e empenho para com esse sistema que não demorei muito para encontrar adaptações de monstros do videogame The Binding of Isaac e até mesmo um projeto de adaptação para Quake (grafado simbolicamente como Qvake). Também cheguei a encontrar Jams de RPG (competições que o criador tem um curto espaço de tempo para produzir algo), trazendo muito material improvisado mas também de extrema utilidade.

Um olho roxo que vai demorar a sarar

Convenhamos, MÖRK BORG não é pra todo tipo de jogador de RPG. Além de ser um OSR minimalista, também é um “álbum de Doom Metal em formato de RPG”, ou seja, ele junta os mundos do Heavy Metal e do RPG num único livro. Nicho do nicho.

Apesar de seu conteúdo ser até que leve considerando sua temática, nem todo RPGista vai se interessar ou se sentir confortável com o tema e o gênero. Os mais convencionais poderão não gostar da diagramação e uso de cores do livro, além de também as imagens, como falado anteriormente. Para se ter uma ideia, existem geradores de tesouros e nomes na segunda capa do livro!

Nada é visualmente explícito, mas também não é o tipo de livro que pessoas religiosas gostariam de folhear. Sem contar a relatividade da arte aqui mostrada, Art Punk não é agradável para todo mundo. Dificilmente alguém da Cabana do Elfo além de mim acharia esse livro bonito, por exemplo.

De um intenso fim do mundo a uma cólera nano-futurista

MÖRK BORG é um passo fora da curva no cenário do RPG, e sua escolha para o OSR foi um passo mais que adequado. São raros os RPGs que ao jogarmos estamos sentindo que somos personagens daquele cenário, geralmente isso acontece quando o cenário é muito diferente. Algo que só percebi esta sensação com Castelo Falkenstein.

Tudo é extremamente diferente e irreverente, claramente feito com muita paixão por uma única pessoa, o que explica o motivo de ser tão recluso a um nicho, e que pelas escolhas certas de temas eu me encantei com tudo contido neste RPG. Ao mesmo tempo que este RPG soe como algo pessoal pelo autor, ele também pode promover total desinteresse para outros RPGistas.

Aos colecionadores de RPGs, ele é um artigo muito interessante para a sua estante, e ainda que não veja mesas, sua particularidade na mistura da arte com o cenário são únicos, e possivelmente será difícil achar algo semelhante. Aos Headbangers que por um acaso acharam este blog e por um acaso ainda maior estão lendo esse artigo até aqui, este de fato é uma outra forma de olhar a mídia do Metal que merece sua atenção.

O futuro já foi ditado. No dia 13 de novembro, será realizado um financiamento coletivo de seu cenário-irmão Cy_Borg, contando uma temática Cyber “Industrial” Punk com direito a Noise Music rasgando seu cérebro, e onde a cólera de um Nano-Infecção leva o mundo a ruína. Se você se interessou pelo mundo sombrio e caótico de MÖRK BORG, este novo financiamento coletivo pode lhe interessar.

2 comentários!

  1. Nossa, esse lance música x jogos sempre esteve presente na minha relação com os vídeogames, mas no RPG mesmo é uma coisa que nunca tinha pensado antes... Achei bem curioso! Claro, ocasionalmente a gente põe uma música ambiental rolando, mas no nível estético, deve ser uma possibilidade interessante!
    • Marcus Mauro
      A estética de fato grita algo bem underground, quase como aquelas zines e folhetos que a gente recebe da banda depois que ela se apresenta. O sistema em si não tem nada de misterioso, como todo bom OSR minimalista, mas o jeito como o livro é apresentado, com uma certa ironia em algumas regras, faz com que a gente entenda bem o clima do cenário. Torno a dizer que não é pra todo mundo, aind que seja uma peça essencial de colecionador, mas quem sabe aquele seu amigo headbanger não dá uma chance para o RPG depois de folhear esse livro?

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