Lá no começo do blog, a gente publicou um diário de campanha relatando uma aventura nossa no cenário/sistema de Shadow of the Demon Lord. Como era um RPG que eu não conhecia antes de começar a campanha, tivemos a ideia de fazer uma resenha do mesmo para apresentar a novos jogadores.
Agora, em mais uma publicação da nossa coluna "Mas peraí... O que é...?", apresentamos o Savage Worlds, já que adaptamos o bruxo de The Witcher (redundância?) para este sistema na época do lançamento da séria da Netflix.
SAVAGE WORLDS
Autor | Shane Lacy Hensley |
Sistema | Savage Worlds |
Cenário | Diversos (sistema genérico) |
Publicação | RetroPunk Publicações |
Link | https://retropunk.com.br/editora/roleplaying/savage_worlds/ |
Depois de um tempo conhecendo RPGs genéricos, a gente acaba criando uma imagem de em quais cenários eles podem funcionar melhor, independente dos cenários que já foram feitos oficialmente para eles. No 3D&T, o sistema parece funcionar muito bem para jogos em estilo anime ou videogames, G.U.R.P.S é excelente para narrativas mais realistas (é até dele a infame regra de cavar buracos) e Savage Worlds roda muito bem aventuras de ação. Mas Savage Worlds, tem um quê especial, uma espécie de licença poética para o “Estranho”.
Não digo isso no sentido negativo, muito pelo contrário, Savage Worlds parece funcionar muito bem para narrativas cheias de ação com uma estética meio pulp e oitentista, ou meio bizarras e surrealistas. Quando eu folheio o livro e penso nas aventuras, principalmente as já impressas, me passa pela cabeça alguma aventura ao estilo Aventureiro do Bairro Proibido, A Coisa, ou até mesmo He-Man, quando a minha nostalgia beira o ridículo. A capa da primeira edição já entrega: um bárbaro e uma astronauta, ao fundo deles, cenários diversos, e mais ao fundo da composição do que parece ser em papel jornal meio velho. Uma bela capa, expressa tudo o que os jogadores vão ver no livro.
De fato, o sistema funciona com praticamente com qualquer narrativa que o grupo deseja. Desde uma aventura investigativa de policiais contra ladrões, como até uma ópera espacial. Mas por que só isso? Por que não transformar os investigadores em paranormais ou a ópera espacial num “death metal sinfônico” com temática nórdica?
Nossa constatação temática aos RPGs genéricos parece fazer algum sentido. A prova cabal está na adaptação oficial em RPG de Flash Gordon, uma série de quadrinhos pulp ao estilo de Tex e O Fantasma. Esse cenário não saiu oficialmente no Brasil, no entanto quando vemos as publicações brasileiras é reforçada essa análise: Deadlands, aclamado cenário de faroeste fantástico e estranho, com suas carroças motorizadas e seus lendários fantasmas pistoleiros; Wierd Wars, cenário da segunda guerra mundial que passeia pelo sobrenatural e a alta tecnologia semelhante ao filme Operação Overlord; Accursed, onde os jogadores nada mais são do que monstros amaldiçoados, antigos servos de bruxas, num cenário pós-guerra na região de Morden, os qual os jogadores buscam sua redenção ou abraçam completamente seu lado monstruoso. Isso é só um pouco do que temos visto para Savage Worlds, mas com mais uma busca encontramos ainda mais coisas que brincam com nosso imaginário trazendo à tona as aventuras mais estranhas possíveis.
Criado por Shane Lacy Hensley, criador também do cenário Deadlands, o sistema não deve em nada para as suas maluquices propostas. Seu lema Rápido e Furioso faz completo sentido. Mas para entendermos um pouco, vamos ter que ir do início. Diferente de outros jogos, o sistema não mede os atributos ou perícias por números, mas sim por escalas de dado, sendo o d4 o mais baixo e o d12 o mais alto. Isso garante ao personagem acesso ao uso daquele dado para realizar as ações específicas para cada situação. Geralmente o desafio tem valor fixo 4, podendo ter sua dificuldade aumentada dependendo de certas circunstancias, como baixa visibilidade ou atacar em movimento. Quando não é este valor, é valor do aparar para ataques corpo a corpo, ou 4 ou mais dependendo da distância que o alvo estará num ataque a distância. Quando o Personagem atinge o resultado e excede 4, ele adquire uma ampliação, o que significa um grande sucesso na rolagem, podendo fornecer mais danos em ataques, ou outros resultados diversos para perícias. Ampliações são acumulativas, então se a cada 4 pontos excedido do número base ele recebe mais ampliações. Por exemplo, se num teste de dificuldade 4, o personagem rola seu d12 e acerta 12 no dado, ele alcança o sucesso no teste mais duas ampliações (4 do teste +4, +4 das ampliações).
O resultado máximo do dado também garante outros benefícios. As rolagens de características e de dano são abertas, isso quer dizer que caso o resultado do dado seja o seu máximo, ele é rolado novamente, acumulado seus resultados. Isso garante uma virada deliciosa para certas narrativas, principalmente se tratando das rolagens de dano.
Os únicos valores numéricos que vemos, são do Aparar, deslocamento e Resistência. Aparar, como vimos acima, seria uma dificuldade para um atacante acertar o alvo, seu valor base é ½ do Lutar +2. O Deslocamento geralmente é 6, podendo ser diferente por raças, talentos ou complicações, o personagem pode correr, o que ele adiciona +1d6 a rolagem, variando pelas mesmas condições do deslocamento base. Por fim, temos ao Resistência: este sistema não trabalha com pontos de vida como encontramos em outros, mas sim num medidor o qual o atacante precisa acertar sua resistência excedendo +4, que no sistema é uma ampliação. Quando o atende a essas condições, o alvo sofre um ferimento.
Os personagens dos jogadores são especiais, são protagonistas de uma história de ação. O nome dado a eles e ao antagonista, vilão principal ou qualquer outro ser que o mestre decida ser especial é Cartas Selvagens. Cartas Selvagens dos Jogadores podem sofrer 3 ferimentos, ficando a cargo do mestre se podem morrer ou não depois disso, tal com seus antagonistas que pode sofrer 3 ou mais ferimentos. Personagens comuns, são chamados de Extras, como num cinema, aqueles que são “decorativos”, uma gordurinha para a aventura antes de chegar no vilão final, figurantes, só resistem a 1 ferimento, depois caem, morrem, ou saem de cena.
Cartas Selvagens têm mais coisas especiais, para garantir eles se exporem ao perigo mesmo num sistema relativamente realista como Savage Worlds. Isso é convertido da seguinte forma: além de rolarem o dado base referente as suas características, ou suas perícias, eles rolam 1d6, podendo o personagem escolher o melhor resultado dos dois, também podendo ter rolagem aberta, além disso eles tem acesso as benes, geralmente três marcadores que servem para os jogadores usarem para rolar novamente testes desde o começo e são capazes de fazer rolagens de absorção para resistir dano.
No entanto o gasto de benes não serve para rerolar dano, a menos que algum talento altere esta condição. O mestre também tem seus próprios benes, um para cada personagem do jogador e Cartas Selvagens NPCs possuem 2 benes.
O sistema tem resolução de conflitos muito rápidos, e os personagens são capazes de realizar muitas ações, no entanto fazendo testes cada vez mais difíceis, considerando que cada ação múltipla tem uma penalidade adicional de -2. Os jogadores mais confiantes podem arriscar fazer várias ações no seu turno a fim de conseguir um resultado mais divertidos para a narrativa e ter seu brilho de estrela de ação estranha.
O sistema tem uma iniciativa incomum, um baralho comum define quem começa pela ordem dos valores das cartas, sendo o Ás o mais alto e o 2, o mais baixo. O coringa é especial, pois o personagem que o sacou pode agir a qualquer momento, podendo até interromper a ação de algum outro personagem. Além disso garante um bônus de +2 nos testes de característica e danos.
Enquanto que o seu brilho no sistema seja essa facilidade de desenvolver aventuras ou cenários dos mais diversos e surreais possíveis, se sustentando tão unicamente por um livro de gravuras duvidosas, como todo bom sistema genérico, talvez alguns jogadores e mestres se afastem da excessiva dependência de usos de grids e miniaturas e/ou marcadores para poder ter noção das ações dos personagens.
Ver a capacidade plena de um personagem de Savage Worlds, é enriquecedor, principalmente quando vemos recursos como fichas de poker, baralhos e obviamente os dados espalhados pela mesa. Por outro lado alguns grupos podem preferir um minimalismo do RPG à moda antiga.
Em edições mais recentes, o sistema ofereceu uma abordagem mais simplificada para os que preferem combates sem miniaturas ou grids, no entanto ela soa meio rasa, diferente do aprofundamento nos combate em grid.
Outro problema está em seu excessivo foco na ação, deixando os conflitos sociais bem pobres. Nas edições anteriores, por exemplo, um alto carisma só podia ser adquirido por talentos, fazendo os personagens muito poderosos. Este problema de ação também se reflete diretamente nas magias onde praticamente todas elas são combativas, nada que influencie efetivamente num conflito social ou que modifique o cenário de forma efetiva.
Savage Worlds é um excelente sistema, possui ideias geniais e até propõe modificações nas narrativas para torna-las mais difíceis ou violentas. Como uma regra extra, também possui um baralho de aventura. Cartas concedidas aos jogadores na primeira sessão de uma aventura os quais eles podem usar pra modificar efetivamente uma situação, seja com novos aliados repentinos, um rival batendo na porta, ou um poderoso ataque em conjunto. Contudo também é um sistema que pode afastar alguns jogadores pelo excessivo foco na ação e narrativas eventualmente pouco ortodoxas, no entanto a dependência de recursos físicos como miniaturas e “props” para identificar a ação dos personagens tem um efetivo peso na escolha de um sistema genérico. Talvez o ideal seja conhecer o sistema jogando e futuramente investir nos recursos se houver mais interesse. O grande incentivo para olhar pro sistema estão nos cenários já publicados no Brasil, que além de serem riquíssimos em conteúdo, pode trazer um olhar diferenciado nas narrativas convencionais dos D&D ou Shadowruns da vida. Além disso com uma nova edição vindo ao Brasil pela Retropunk, a 2ª edição está muito barata e eventualmente pode ser vista gratuitamente pela própria editora.
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