Gosto de Terror e Horror, isso é um fato. Tanto que meus sistemas prediletos são nesta temática. Vulnerabilidade, o medo, o desconhecido, as mortes horríveis e repentinas... isso me fascina, seja na posição de mestre ou como jogador.
Mas nem sempre o horror e o terror são elementos comuns ou facilmente aplicáveis em alguns sistemas ou cenários. Muito disso se dá por que as vezes não existem recursos ou os recursos presentes para essa temática não foram muito bem trabalhados, muitas vezes cabendo ao mestre adaptar certos elementos ou adotar mecânicas de outros sistemas para apurar os elementos de terror e horror que busca.
A algum tempo atrás me percebi gostando de brincar com elementos de horror em sistemas que pouco exploram isso. Geralmente sistemas simplificados e Old School Revival (OSR), aqueles sistemas bem simples que você senta seus amigos pra jogar num fim de semana com fichas feitas em 15 minutos. Na temporada de férias de julho, a última mesa que narrei foi de Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros, um OSR brasileiro. O nome da aventura era “Na vila de Kitsch você será um monstro”. Referenciais musicais a parte, a aventura, apesar do tom leve, tinha vários elementos de horror e segredo, desde os personagens fazendo coisas hediondas sem se darem conta, experimentos macabros e até mesmo intrigas e traições.
Gosto de rpgs de alta fantasia, mas só como jogador. Como mestre, não consigo seguir todas as sugestões comuns das narrativas de D&D, pro exemplo. Apesar de D&D ter Ravenloft, um cenário de terror que converge com outros cenários de D&D, ainda existem os problemas do balanceamento de um sistema em D&D que exigem que o mestre busque outros elementos para aplicar a experiência aterradora para os jogadores.
Considerando isso, deixo aqui algumas reflexões do que pode ser interessante para narrativas com temáticas de terror e horror para seus rpgs, sejam quais forem. Obviamente, narradores, vocês não precisam seguir à risca estes conselhos, afinal eles são somente reflexões diante as minhas experiências em contato com tantos cenários de terror e horror e como eu decidi executa-los.
Terror ou Horror?
Antes de qualquer coisa, é ideal que definamos as diferenças entre terror e horror.
O Terror é diretamente relacionado ao medo, normalmente se dá pela expectativa de que algo horrível, fora do normal ou inevitável está prestes a acontecer. A maravilha do terror está nos preparativos do acontecimento aterrador, mas sem pressa dele acontecer. Normalmente é algo que desafia os sentidos de que está envolvido na cena, pode ser um vulto, um som, um gelar repentino... as vezes não precisa ser nada trabalhado, a imaginação do próprio indivíduo prega peças, como um antigo amigo meu falava: “o problema não é o escuro, mas sim o que eu posso imaginar que tem nele”. Obviamente, uma presença monstruosa pode provocar o terror, afinal a antecipação de se imaginar morto já provoca muito medo, principalmente se forem criaturas de anatomias inimagináveis.
O Horror já é diferente, envolve o desagradável, a repugnância... Sempre colocando os personagens diante de uma situação que pode entrar em contato com o repulsivo, o nojento, nauseante e etc., normalmente de natureza sobrenatural ou completamente fora do comum, podendo ser resultado do terror ou não. Obviamente, nem sempre por haver horror, necessariamente tem o terror. Da mesma forma que nem sempre precisa haver horror dentro do terror. Poderíamos entrar nas vias do pós-terror ou Horror pessoal, no entanto isso estenderia muito esse artigo para outras vias.
A melhor forma de entender a diferença entre terror e horror é: no terror, você suspeitar que seu celular caiu na privada quando você sai do banheiro. No Horror, você sabe que seu celular caiu na privada... De um banheiro de rodoviária.
Agora entendidos, vamos passar para as reflexões!
O terror
Por bem ou por mal, o monstro sempre está invisível
RPGs de mesa são assim, apesar de eventualmente termos imagens de referência de criaturas, elas são estáticas. Cabendo aos jogadores fazerem seus movimentos imaginativos para poder animar a criatura. Isso dá aos jogadores uma leve segurança de com quem então lidando. Mas isso também pode ser algo que o mestre pode colocar a seu favor.
A visão é o único sentido que pode voluntariamente ser bloqueado, mas os outros sempre são sujeitos a serem invadidos por qualquer outro elemento sensorial. Por que não adicionar sons, cheiros e falas para esta criatura. A criatura merece uma boa entrada antes de ser vista, não é?
Ataque onde dói
Esta é meio polêmica, e até uma dica vinda de Kult. Nós temos medos, medos irracionais talvez. Medo de aranhas, centopeias, ser enterrado vivo... Medos justificáveis, medos sem um fundamento. Caso os jogadores concordem com a ideia, peça para eles contarem seus medos e use isso a seu favor.
Ter medo deve ser algo significativo, portanto, também deve promover consequências
Alguns sistemas, como o próprio D&D, possuem monstros ou magias que provocam medo em seus alvos e vítimas. O problema é que as consequências são pequenas, como correr da sua fonte de medo ou, no máximo das perdas, ter penalidades de acerto. Poderíamos nos voltar a essa irracionalidade do medo na própria natureza, na relação predador e presa. Alguns animais pequenos, rendidos pela presença de seu predador, tendem a aceitar a morte com facilidade, geralmente se entregando com mais facilidade ao predador.
Mesmo grandes guerreiros são sujeitos ao medo, mesmo que sobrenatural, neste sentido caso fracassem num teste de resistir ao medo. Considerem a catatonia, ou a aceitação pela morte como resultados do medo. De forma prática, considere que criaturas que produzem medo causem mais danos contra alvos assustados, ou tenham bônus de acerto.
A mente é sua inimiga. Nunca confie nela!
Adoro cenas que desafiam as mentem dos jogadores e personagens. Essa dica é para narrativas que tenham um apelo mais psicológico. Traumas, esquizofrenia, ilusões emocionais. Tudo isso carrega elementos do terror. As vezes algo voltado para a temática do terror psicológico e punitivo, o qual os jogadores devem lidar com seus pecados e negligências do passado. Agora, se aquilo que eles estão lidando faz parte da realidade da ficção do rpg, fica a cargo do mestre, mas nunca deve ser exposto aos jogadores.
Tudo precisa ser emergencial
Perseguições, um relógio do juízo final, uma doença que está tomando os personagens... Medo também significa tensão. Tente colocar os jogadores em constante tensão, mesmo que em particular ao mesmo exista uma virtual calmaria. O monstro pode ser o principal, mas um adicional por fortalecer o sentimento de medo geral na mesa.
Tire o sentimento de poder dos jogadores
Esta dica é para os jogadores com personagens em níveis avançados. Em determinados sistemas os jogadores passam a não temer mais nada. Esta dica reflete no sentido de que suas criaturas aterrorizantes sofrem menos dano ou são imunes a determinados poderes e habilidades dos personagens dos jogadores. As vezes não precisa necessariamente imunizar os monstros, mas sim inutilizar temporariamente habilidades dos personagens: O guerreiro causa muito dano montado a cavalo? Leve-o pra uma caverna estreita. O Clérigo é um bom curador? Faça ele se preocupar mais consigo mesmo, focando ataques e armadilhas nele, ou pior... faça com que ele sinta que seu deus tenha o abandonado!
Mas e o Horror?!
Seja bem descritivo
Mais uma dica que deve passar pelo crivo dos jogadores. Eu, como mestre de terror e horror, sou excessivamente descritivo. E num RPG onde nossa imaginação flui bastante, a descrição é necessária para dar um norte interpretativo para os jogadores. Apele para detalhes de texturas, ações desagradáveis, sentimentos de nojo, desgosto e o desagradável em todos os sentidos. Não precisa ser algo cheio de sangue e pus. Pode ser algo que mostre a completa impotência dos jogadores na cena. Como dito antes, os jogadores gerenciam os limites da cena, seja pelo conteúdo quanto pelo tempo.
Exponha os personagens dos jogadores
O Horror significa colocar os jogadores em contato direto com situações desagradáveis, essa exposição reflete aos sentidos. Enquanto que o medo usa os sentidos de maneira sutil, fazendo um leve terrorismo psicológico, o horror já te coloca em contato direto com o que só estava na nossa cabeça, as vezes da pior forma possível. Faça os jogadores encararem esse horror, tocar em coisas desagradáveis ou nojentas, leve os personagens e fazerem algo que eles não desejam. Mostre os “esqueletos do armário” daquele terrível açougueiro... A exposição é relativa, não precisa ser surreal, sangrenta ou nojenta, só precisa ter um pouco de criatividade.
O horror pode ser sutil
Aquela maldita cena do homem vestido de cachorro em O Iluminado.
Horror não precisa ser atirado na cara dos jogadores. Ele pode ser algo com poucos detalhes, a mentes dos jogadores já vai auxiliar no resto... Só mostre um pouquinho. Normalmente nesta reflexão os personagens dos jogadores são novamente mostrados numa posição de impotência, e diante a algo que foi tarde demais para eles interferirem.
Não exagere!
Amo horror, por isso o excesso de descrição. Mas devemos tomar cuidado. Além dos usuais limites que cada jogador pode ter, excesso de horror cria uma banalização que eventualmente vai deixar as cenas menos divertidas, e uma hora pode até ficar de péssimo gosto. O mestre deve mediar corretamente o quanto do horror deve aplicar na mesa.
Abrace o ridículo
Pode parecer estranho, mas as vezes o horror não necessariamente vai ter o mesmo efeito esperado pelo mestre. As vezes pode até beirar um pouco para filmes Trashs dos anos 80. Se o tiro sai pela culatra, mas todos estão se divertindo bastante na cena, não vai ser nenhum problema se a cena da cabana parecer algo estilo Evil Dead 2. As vezes coisas mal planejadas e inesperadas promovem experiências bem divertidas!
O horror faz parte de nossas vidas
Infelizmente nosso mundo é muito cruel, e RPG é tratado como escapismo para alguns jogadores, com razão, diga-se de passagem. No entanto, a modernidade é um grande exemplo de elementos de terror que, com muitas ressalvas, pode servir de inspiração. Mas lembre-se, o RPG já é um construto social, com bastante fantasia, de como interpretamos certas perspectivas de nossas vidas, às vezes botar mais da nossa modernidade pode ser desinteressante.
Conclusão
Aqui estão algumas dicas e comentários que vocês podem usar em qualquer RPG que desejarem aplicar um pouco de terror e horror. Como dica adicional, se inspirem nas mídias que consomem: filmes, séries, jogos e até mesmo usem elementos de outros RPGs no que você está narrando atualmente. Mas acima de tudo, respeite o contrato social definido entre você e os jogadores. Terror e Horror são elementos que só são divertidos experimentados artificialmente e de forma voluntária, qualquer coisa que fuja disso deixa de ser divertido e pode criar atritos que ninguém deseja, principalmente para seus amigos. Portanto... NÃO SEJA BABACA!
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