A um tempo atrás escrevi um artigo sobre minha primeira experiência de concluir uma campanha. A campanha foi incrível. Apesar dos percalços, todos os que participaram conseguiram absorver as melhores partes do que eu pude proporcionar. Foi um misto de alegria, satisfação e de conclusão de uma história. Concluir uma campanha de Deadlands não foi diferente, além de que outras questões me vieram a tona.
Deadlands, que merece uma resenha só pra ele aqui no blog, é um dos primeiros cenários de Savage Worlds lançados. Na verdade, Deadlands veio antes de Savage Worlds, o RPG foi base de criação para este sistema genérico que jogamos, mas isso é outra história. Este é um cenário de fantasia histórica, tendo como ambiente um EUA alternativo nos tempos do faroeste, mas com monstros, tecnologia, magia e um pouco de artes marciais. Parece um filme trash, mas é um cenário alternativo bem robusto e uma ótima pedida para uma mudança de ares no RPG.
Minha intenção foi narrar uma micro campanha para um grupo de amigos meus de Curitiba, portanto seria mais uma mesa online a qual eu iria narrar. Pelo formato de jogo que eu propus tentei não me exigir muito, pensando em algo inicialmente mais simples. Para se ter uma ideia, o alicerce principal da campanha se baseou na segunda parte de JOJO``s Bizarre Adventure, contando com um vampiro que queria juntar uma joia numa máscara, para enfim ser a criatura perfeita e andar sob a luz solar.
Considerando a intenção de ser uma micro campanha, foi entendido pelo grupo que concluiríamos rápido as aventuras. Bom, foram quase 2 anos de campanha. Mas não foi um período de sessões frequentes, e por esta razão que me finalmente me percebi jogando efetivamente RPG na vida adulta.
Não falo isso num sentido negativo. Longe disso. Mas esta campanha me colocou num ponto crítico de reconhecimento e aceitação. Em nossa mesa, apesar das diferenças de idades, somos todos adultos. Mais especificamente adultos funcionais e ativamente participando da sociedade. Uns são casados, outros são atolados em disciplinas e trabalhos de faculdade, e mais outros dividem a vida no trabalho e nos estudos. E coloquemos ênfase no TRABALHO, o qual todo o nosso grupo possui, e que damos graças de não ter sido plenamente comprometido no período da pandemia. Nossa vida adulta acabou fazendo com que certos adiamentos e hiatos ocorressem em nossas partidas de RPG.
Isso me faz lembrar dos vários relatos que ouvi de conhecidos e desconhecidos meus que abandonaram o RPG pela falta de tempo, especialmente por conta das obrigações profissionais ou familiares. Muito desse afastamento se dá pela forma como se é organizada uma partida de RPG: juntar pessoas, adequar horário e dia destas pessoas com suas diferentes realidades, entre outras adversidades. Na teoria esse desafio não seria muito diferente de juntar amigos pra jogar bola, mas futebol para adultos é um hobby mais comum do que um jogo que essencialmente é conversa e imaginação, mesmo com a atual popularização do Hobby através das mídias. A questão é, por exemplo para uma pessoa de família, que tempo você tiraria com outras pessoas que você não tira com sua família? Idem ao trabalho ou estudo? Ainda mais se essa pessoa acumula responsabilidades. São coisas que são completamente entendíveis em suas prioridades.
A partir disso reflito na minha posição e a de meus jogadores curitibanos. O que pode ser o RPG normalmente? Um passatempo? Uma atividade comercial como atualmente vemos? Ou um... Hobby? Para nosso grupo, e tantos outros adultos jogadores de RPG, essa atividade é um Hobby. Hobby é tudo aquilo que a gente faz um investimento pessoal exclusivo, seja comercial ou de capital cultural que a gente absorve. Videogames, colecionismo, mesmo a literatura e o futebol semanal, que eu já citei, podem ser considerados hobbies. Hobby pode ser passageiro ou duradouro, mas independente disso existe uma dedicação e compromisso, mesmo que particular, sobre ele. Então, não importa se o hobbista passe só 10 min diários, ou mesmo só tem tempo quinzenalmente para seu hobby, a dedicação a esse compromisso pessoal é o que faz com que o hobbista mantenha seu interesse pelo que gosta naquele momento.
Longe de mim julgar esses conhecidos e desconhecidos meus que abandonaram o RPG. Eu já expliquei as várias razões para jogadores deixarem de jogar RPG, e podem ter muitos outros, podendo ser particularidades e até mesmo o “deixar de gostar”. Isso é comum e completamente entendível. O que falo aqui são mecanismos que eu uso para resistir a uma perda eventual de meu hobby por conta das obrigações.
Existem coisas neste grupo que normalmente não vi em outros os quais eu já participei, e muito foi por que estabelecemos de maneira não-verbal como seriamos capazes de jogar, algo estabelecido desde uma outra aventura de RPG anterior a qual eu narrei pra eles. Mesmo que só pudéssemos jogar só nas noites de alguns fins de semana, as 20hs até no máximo 23hs (nesses casos dava até peso na consciência de ir tão tarde). Haviam eventualidade, em cima da hora ocorria um atraso ou ausência, e até preferíamos adiar a mesa para todos poderem participar. Houveram vezes em que ficamos quase dois meses sem continuar a campanha, mas sempre voltávamos com a mesma disposição de antes. Já passei por grupos presenciais que em com 15 dias sem jogo os jogadores já nem lembravam da aventura ou, se não pior, pareciam desinteressados com a aventura.
Vivo um momento que o lazer se tornou algo muito precioso, portanto preciso ter e proporcionar algo de qualidade entre meus amigos. Sendo assim, continuar uma aventura ou campanha de RPG acabou sendo algo importante para o grupo, não como uma obrigação, se eventualmente isso passa pela cabeça do leitor, mas sim que pela nossa dedicação e apreço, somado a atividade entre amigos, o fato de podermos marcar a continuação da campanha se tornava um evento a se comemorar e a realização da sessão algo que provoca uma satisfação imensa.
Ultimamente vi que campanhas curtas foram uma solução pra mim, assim delimito um número curto de aventuras pois sei que eventualmente elas podem se estender mais do que o imaginado, minha outra opção é a de fazer aventuras únicas que se fechem em arcos, assim podemos num outro momento retomar com os personagens e dar continuidade para um novo arco, como se fossem temporadas de uma série. Considero estas opções boas pois permite a possibilidade de desenvolvimento de personagens e alternativas para apreciar o que sistemas de RPG tem a oferecer.
Porém, acima de tudo, o grupo tem que estar consciente de como serão as partidas, pode levar um tempo para se concluir, pode ocorrer um hiato, mas para o hobby é necessário manter essa chama, essa vontade de continuar, independente do tempo que leve. Não falo isso de maneira coativa, mas sim de pelo tipo de sentimento que normalmente é produzido com a vontade de continuar um jogo, pode ser que tenha amigos ou colegas que não estejam mais dispostos, e tá tudo bem, mas de maneira geral, seja em RPG ou outra coisa, não podemos deixar que morram aquelas coisas que nos fazem ter satisfação.
A verdade é que talvez estejamos vivendo uma época pior pra aproveitar atividades com convívio humano, e que muito disso ocorre por causa da sentimentos utilitaristas e cobranças sociais na sociedade, mas não vou entrar no mérito nessa discussão. A questão que ponho aqui não é de abrir mão de realizar nossas tarefas, mas sim que precisamos valorizar e preservar aquilo que nós gostamos, mesmo que leve algum tempo para podermos realizar, mas que para o RPG isso também reflete sobre harmonia e compressão da realidade de cada um no grupo.
Enfim. Me sinto muito feliz com outra campanha concluída, mas acima de tudo pela oportunidade de me fazer pensar na valorização do meu hobby e como posso executa-lo, e também na dedicação que este grupo teve de arrumar tempo em alguns fins de semana, por que, querendo ou não, se divertir também é resistir.
2 comentários!