Eu adoro RPG. A prática de fazer um personagem, construir uma história pra ele, imaginar como ele vai ser em níveis posteriores, se for o caso... Com o tempo me vi na necessidade de narrar, principalmente quando se tratava de cenários ao meu gosto. Narrar exige mais trabalho, pensar numa história maior que comporte a história dos outros jogadores, fazer balanço entre desafio, diversão e recompensa, coisas essas que ainda tenho um pouco de dificuldade... Mas tanto de cara pra uma ficha quanto por trás de um escudo, eu nunca tive a oportunidade de concluir uma campanha.
Eu estava assim até umas semanas atrás...
Finalmente consegui concluir minha sombria adaptação de Frozen pra Shadow of the Demon Lord. O grupo, constituído uma elfa com crises de grandeza que pretendia governar Alfhein, um anão em busca de sua morte honrada, um Humano recém transformado em vampiro e um Fantasma que descobriu sua outra vida como Lich, percorreram praticamente todo o continente de Rûl numa busca incessante por uma chama capaz de acabar com os poderes de Hilda, uma princesa criomante que aplicou um golpe contra seu próprio reino e pretendia fazer Rûl viver sua era do gelo particular.
Em meio a outras referências a mais filmes da Disney e Jojo’s Bizarre Adventure, uma perturbadora caminhada pelo inferno, e muitas perdas de personagens pelo caminho, os jogadores conseguiram levar seus personagens ao confronto final com poderosos personagens de nível 9.
É inegável, pra uma campanha neste nível, que demorou quase 2 anos, iriam haver seus percalços, sejam as demandas da vida, problemas pessoais, e até mesmo conflitos de ideias entre o mestre e os jogadores, porque ambos possuíam abordagens diferentes de como lidar com certas situações. O que eventualmente nos levava a hiatos na mesa, mas sempre quando era resolvido, vinham mais ideias para a continuidade da campanha.
Além disso, experimentar uma campanha tão longa nos leva a encarar o sistema sendo jogado de uma outra forma: além dos eventuais erros de interpretação de regras que ainda costumamos encarar, é natural que os jogadores descubram estratégias e combos que normalmente um mestre dedicado a narrativa e aos desafios deixa passar. Isso leva o mestre a repensar novas abordagens, impor dificuldades não somente a partir dos monstros, mas também do que eles podem ser capazes além do “causar dano”. Eu considero que com a longevidade da campanha também surgiu uma espécie de “masterização” do sistema e cenário que estávamos jogando, tanto que ao fim de algumas mesas discutíamos as jogadas, as habilidades dos personagens, inimigos e principalmente as magias. E definitivamente, a Tradição do Tempo é confusa!
Fazer uma campanha também significa conhecer demais a forma como os jogadores jogam com seus personagens, se aproveitar dessas brechas ou fazer eles se beneficiarem disso. Afinal, não é muito divertido só colocar criaturas imunes a fogo quando boa parte das magias do mago do grupo são de fogo, né? Ao mesmo tempo, aplicar um desafio final significa um trabalho misto entre fazer os personagens brilharem com suas habilidades específicas, mas também serem desafiados pelas suas fraquezas particulares. Se não, do que adiantaria um personagem dos jogadores explorar habilidades de destruir mortos vivos, e o último desafio ser... um diabo?!
Concluir uma campanha é um alivio e satisfação, mas as vezes é muito trabalhoso. Vivemos numa época que devemos cuidar dos nossos jogadores para que a diversão não seja uma coisa unilateral. Até por que o RPG, para o mestre, é descrever algo baseado na sua perspectiva de gosto e diversão das coisas. As vezes pode até ser um tiro no escuro, então é algo que sempre precisa ser avaliado, afinal você está compartilhando algo que imagina ser interessante na narrativa, e pra isso você precisa reconhecer que deu certo pela reação positiva dos jogadores. Nós esperamos isso, principalmente quando os jogadores são efetivamente amigos. Falo isso por que as narrativas, ao menos para mim, nunca foram muito comuns. Se pra uma aventura isso pode ser difícil, imagine para uma campanha!
Ao fim de tudo, mesmo que a conclusão de uma campanha não saia como esperado, o sentimento que tive de fazer uma campanha foi de estar escrevendo um livro, ou melhor um TCC. Um TCC cheio de rascunho nas beiradas, com 4 a 5 orientadores que também são graduandos dando opiniões, reclamando, fazendo coisas fora do contexto. Por que em cada parágrafo os personagens fazem algo fora do esperado, uns desaparecem, outros morrem, outros mais desistem do ofício ou mudam de lado. Mas como todo TCC, a gente continua escrevendo, ou os jogadores, lendo e modificando o TCC. E ao fim de tudo, quando terminamos de fazer o TCC e defender suas últimas páginas na frente de todos, surge a tal satisfação de ter feito algo bom, e uma realização, seja ela científica ou fictícia. Pessoas gostaram disso, a gente vê o feedback toda hora.
Claro, depois isso, o mestre talvez tenha vontade de experimentar outras coisas. Um novo sistema, uma campanha menor, aventuras one-shot, escrever sobre a campanha, ou mesmo sugerir que os jogadores experimentem o ofício ao menos uma vez. No meu caso, pretendo passar um tempo experimentando outros sistemas em aventuras menores. Mas a realização de fechar uma história de RPG vai ficar em minha memória por muito tempo.
“Ao fim de tudo, Rûl ficou mais calorenta. Os verões eram terríveis. Bella e Hanako percebiam o que tinham feito quando nesses verões ouviam o Djinn que havia tomado Grandleic gargalhar de felicidade pela sua dominação. Rûl ficou um pouco mais pior”
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